Romance
01 de setembro de 1942
Um homem e uma mulher seguiam a estrada.
Não tinham cor e a idade indefinível perdia-se no espaço infuso. Eram apenas duas manchas móveis ressaltando, dentro da vagarosa melancolia da noite e da lua doente. Emigrantes do mundo homiziavam-se na rota das possibilidades infinitas à procura de dilatação para seus anseios e continuidade para o seu excesso de vida.
Haviam deixado um cassino numa trégua do cotidiano. As mãos haviam-se encontrado quando o entusiasmo precário percorria a multidão ululante, arrolada à sinfonia de uma roda implacável e de fichas estéreis.
E o homem e a mulher caminhavam na estrada na direção de um templo novo que se edificava no mistério. As vozes solitárias levavam o peso de muitas dores e a transfiguração das esperanças encontradas. Os passos deveriam conduzir a casa das estrelas o par proscrito das misérias diárias. Atrás ficavam as feras, os abutres, todos os iagos do universo e os pusilânimes dinossauros mumificados secularmente nos museus da impotência dos atos e sentimentos. Os desterrados já possuíam o hábito das trevas, e conseguiram distinguir bem no fundo da estrada, no horizonte de sombras, uma lanterninha cor de sangue designado o pretendido pouso, o primeiro oásis da meta milagrosa.
O cronista e o leitor, se seguissem indiscretamente o casal visionário, numa distância que vai por exemplo de uma cabeça que pensa às mãos que batem o teclado da máquina de escrever, veriam apenas na luz furtiva a marca vacilante de um campo de aviação.
Mas, os personagens que não têm imaginação limitada, nem dimensão, encontram, afinal, depois de algumas horas, o palácio sagrado das últimas estrelas. A lua fez-se representar pela auréola de cobre e madrugada, estigmatizando as saturnais do mar e praia. O líquido seviciava a areia cetinosa que ficava estendida, infinitamente esticada até um cinzento longínquo dominado também pela estige de luz.
E o homem e a mulher fitavam o mar e o infinito de mãos dadas, saturados de sereno e orvalho. Os olhos noturnos eram extraordinariamente calmos.
Ouvia-se na fantasmagoria o grito próximo e infantil dos pescadores, anunciando as perspectivas poderosas e imensuráveis de uma exuberante simplicidade na paisagem comum de areia e de água.