O Jornalismo de Pagu

O Jornalismo de Pagu

Cor Local 3

15 de dezembro de 1946

“Numa terra radiosa, vive um povo triste…” começava em 1926 Paulo Prado a escrever o seu retrato do Brasil. Sob esta epígrafe da cor local, pode-se dizer que não há uma réstea de luz de “terra radiosa” a desmanchar a impressão cinzenta que fica negando cor ao local.

Há um confinamento imenso nestas nossas pequeninas academias paulistanas. Outrora… Bem, deixemos de hora da saudade. O que há hoje é um amplo desligamento de homens e de idéias. Há que duramente ganhar a vida, e há burocracia e empregos absorventes, liquidando os momentos desinteressados das rodas, das discussões, dos debates. Sexta-feira, Lourival Gomes Machado almoçou com Sérgio Milliet. Um conhecido dos dois soube do assunto e me contou. Foi mesmo um assunto. São afinal dois intelectuais de São Paulo, que almoçam, o que revela a camaradagem, a necessidade deles de trocar palavras sobre coisas de inteligência. Paulo Emílio Salles Gomes, de Paris, mandou um livro sobre Rimbaud e um amigo daqui… E outro gesto que implica num pensamento, mas Paulo Emílio está longe e o amigo dele, aqui. Uma conferência, outra conferência. Encontro alguns escritores correndo pelo quarteirão bancário da cidade. Como correm. Chegam revistas da França. Nunca houve hora tão cheia de poesia. Mas a “manchete” de que toda a gente fala na cidade estilhaçante, e de que vai haver pão de farinha de trigo. Voltando de longe, do norte litorâneo, longe porque não há transportes, o Cássio de M’Boi vem me falar da sua impressão de se ter truncado a cidade numa outra coisa, completamente outra, depois de seis meses de profunda ausência.

Que é que houve nesta cidade?

Apenas a memória de Mário de Andrade, numa revista que está se vendendo bem, como nunca aconteceu à “Revista do Arquivo”. E ainda consola.

O autor de dez volumes da coletividade paulistana, romanceada, só dá vagas notícias. Mas esteve em Santos fazendo negócios.

Desânimo? Calor?

A verdade é que a turma está muito ocupada.

Salvo da semana a pequena reunião da exposição Roman Kramstyk, com alguns pintores, dois críticos, pessoas de colônia estrangeira, não direi que colônia, especificadamente. Falava-se francês. Segall mostrava os desenhos. Há no fundo uma história sentimental nestas pálidas figuras expostas na Biblioteca. Kramstyk é um mártir da guerra. Morreu no “guetto” de Varsóvia. Jorge de Lima conta a história, chorando, numa página de catálogo. Alguns flagrantes do “guetto”. E a tragédia do artista se afasta para sempre, da luta, numa serenidade humilde, dosada fortemente nos traços muito precisos, de uma sabedoria clássica.

Agora vou à festa da poesia francesa. E os nossos poetas? A cidade corre atrás de “milhões” como quer o Meira, com a sua fala pitoresca. E é necessário guardar o trânsito, para não haver atropelamentos. Vou fazer uma entrevista para domingo que vem. Talvez se melhore.