O Jornalismo de Pagu

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Cor Local 2

01 de dezembro de 1946

Semana de inaugurações de exposições de pintura, semana pictória – a nem dar tempo de se assistir uma abertura, e logo se correr para outra… Em torno do diplomata Aliseres, segunda-feira, às 17 horas, no Esplanada, uma inauguração boa para a crônica social. Já meia hora depois, na Galeria Prestes Maia, um panamericanismo militante, aprendido das eras rooseveltianas, priscas, trouxe-nos informação de aquarelas dos Estados Unidos, na monografia que apresenta a coleção de trabalhos. Era gente que tomava “whiskey”, displicentemente esparramada pelos espaços amplos e vazios da Galeria. Chegamos tarde, mas parece que não havia nem discurso, nem diplomacia. Foi inaugurada também, no mesmo dia, a exposição da “atmosfera de Paris”, e depois a semana ainda nos deu a exposição de pintura belga. No fim de semana, para fechar a série pictória com uma chave de brilhante, Roberto Burle Marx, chegado do Rio na véspera, me telefonou combinando um encontro na Galeria Itapetininga, na inauguração de hoje. Exatamente, vai ser inaugurada hoje a exposição de pintura de Roberto, a primeira individual que ele realiza em São Paulo, estranhamente desconhecido aqui, onde é jardineiro-arquiteto, mas não consta que seja pintor. Ora, Roberto e mais do que tudo um pintor… Ia dizer da grandeza, mas não fica bem estar antecipando. Vão lá hoje, às 17 horas, na Galeria Itapetininga, e Roberto estará inaugurando a sua exposição – uma inauguração domingueira, como convém a este santo excepcional que, sendo de casa, faz milagres.

– Na ronda paulistíssima da semana, começou a espalhar-se a iniciativa da Sociedade Brasileira de Comédia, que vai fazer funcionar o Trianon, começando possivelmente uma outra tradição, para a tradicional avenida Paulista. Seremos, pois não, capazes de fazer teatro, de ter um teatro, de gostar de teatro, trabalhar e produzir.

1947 parece que promete, pois se vão apaziguar as competições políticas logo no princípio do ano. Assim vai ser depois das eleições, que são tudo, no nosso ralo mundo democrático em recuperação. Depois das eleições, os escritores deixarão o campo da política, salvo, naturalmente, os escritores-deputados. Mas os outros irão cuidar da literatura. Um, que acorda cedo, está tentando e já vai adiantado, um quadro do quarto de século, depois da Semana de Arte Moderna e 1922. Ora, ainda ontem estava Mário de Andrade falando do movimento modernista, no 20º aniversário da Semana. Agora já vamos completar 25 anos e Mário de Andrade está morto. Acho que é hora da turma andar nas suas evocações e no registro do que se fez nestes vinte e cinco anos, um panorama a refletir, do desvairismo da “Paulicéia” de Mário, aos memorialistas, como Oswald de Andrade e Aníbal Machado (“Memórias sentimentais de João Miramar” e “João Ternura”, este ainda e sempre, inédito), passando pelo “nacionalismo” do “pau brasil” e dos verdeamarelos, até uma penetração mais íntima, essencial, o Mário de “Macunaíma”, o grupo antropofágico, a que Mário só pertenceu para manter o “aplomb”, etc… O volante sobre “O que fizemos em 25 anos”, se eu o planejasse, não incluiria como está lá, tanto bobo alegre, tanto sujeito que anda para trás, de pés virados, uns heterogêneos inteiramente sem jeito e sem sinceridade, para contar o conto do vigário que foi a sua vida. Em todo caso, e a primeira indicação comemorativa de 1947. E nasce sob uma promessa de Enciclopédia Paulista Ltda., agoiran…

Enquanto o ano não acaba, vamos discutir com os comunistas. Na tarde de Sexta-feira, um deles me dizia que na França não era só a massa que estava com eles, porém, também os intelectuais, que nem “o maior literato vivo, André Malraux”. Foi a hora de lhe dizer a palavra “devagar”… E me expliquei: “Devagar, porque Malraux não está mais no Partido”. Telegrama desse mesmo dia 29 nos contava que a conferência realizada em Paris, na quinta-feira, organizada pela UNESCO, no anfiteatro da Sorbonne, com Luís Aragon como protagonista, acabou mal, com vários incidentes, quando Aragon, tratando da “cultura das massas”, atacou Malraux e Georges Bernanos, este ilustre colaborador dos nossos “Diários Associados”, quando morava em Barbacena. Os ataques a Malraux e Bernanos provocaram grandes e violentos protestos por parte da assistência.