Teatro Universitário – o exemplo alemão

Teatro Universitário – o exemplo alemão

Jorna A Tribuna, 14 de outubro de 1956

Participando de um pequeno curso de teatro que Augusto Boal está promovendo no Teatro de Arena, em São Paulo, a propósito da primeira aula a que assisti sobre técnica teatral, numa discussão com os meus colegas, veio à tona o tema, muitas vezes debatido, ou seja, o papel dos que, gostando imensamente de teatro, procuram desenvolver uma atividade nesse setor, não proficiência do teatro amador, de suas controvérsias com o teatro profissional, de suas possibilidades, de suas intenções. O assunto me interessou particularmente, pois pertencendo, como orientadora, a um grupo de amadores recentemente organizado nesta nossa cidade de Santos, essa reunião, depois da aula de Boal, dava ensejo a uma discussão sobre as atividades teatrais, profissionais e não, estabelecendo-se a inexistência de um alinhamento, mas a possibilidade de uma cooperação. O profissional, ligado com legítimo orgulho à arte a que se dedicou, defende, naturalmente, os seus direitos e o seu meio de existência. O amador poderá ser um pouco mais exigente, mais apaixonado, mais exclusivo. Na realidade, porém, amadores e profissionais deverão acabar compreendendo que suas tarefas são complementares, embora diferentes.

O público, por exemplo, espera do profissional a satisfação, o arrebatamento de uma interpretação imaculada e perfeição artística. O amador não pode pretender essa expectativa, pois o virtuosismo da interpretação só pode ser conseguido pela concentração profissional e pela disciplina de toda uma vida.

O público comparece ao teatro de amadores por motivos diversos. Ou porque no local não existe teatro profissional, o que é óbvio, e menos importante, ou porque o teatro em questão constitui uma obra de comunidade, uma parte da vida social: igreja, clube, usina, escola etc. Aí é que tem início a parte mais importante do grupo de amadores, criando em seu público o “hábito” do teatro, formando o gosto do espectador. Representando obras de qualidade, esses agrupamentos podem fornecer ao teatro profissional o melhor de seu público.

Falando em teatro de amador, devemos reservar um capítulo especial aos teatros de estudantes, principalmente aos teatros universitários, que preenchem particularmente a missão de amoldar o gosto e as preferências do público para a arte teatral, pois possuem o estimulante intelectual necessário a uma arte, que, por seu caráter popular, tem a permanente necessidade de escapar à vulgaridade.

Sem precisar de grandes bilheterias, sem a preocupação de concessões, o teatro de amadores, em particular o teatro universitário, pode-se arriscar a toda espécie de pesquisas, a experimentações que poderão dar resultados satisfatórios ao desenvolvimento do teatro profissional  no caminho da cultura. Preparando o ambiente e o gosto do público, as concessões irão diminuindo para a aceitação de obras que um teatro profissional não poderia encenar sem esse preparo, a não ser que estivesse disposto a cair na bancarrota.

Felizmente, para a arte e para o público, os universitários de todo o mundo acabaram compreendendo que têm um papel a cumprir na educação do povo.

Desde 1945, as universidades alemãs estão se aplicando na organização de grupos teatrais. Há hoje, pelo menos, uns vinte grupos de amadores ligados à Federação dos Teatros de Estudantes da Alemanha. Não obstante a luta contra dificuldades materiais que muitas vezes obrigam os grupos de teatro a se dissolver, o Teatro Universitário alemão desenvolveu-se de tal maneira, demonstrando a sua capacidade de influir na educação que em Berlim e Colônia foram criadas, nas Universidades, cátedras de arte teatral, equiparadas a qualquer disciplina científica. Os estudantes nessas universidades, compulsoriamente, são obrigados a passar pelo exame da matéria.

Em outras cidades alemãs, como Hensburgo, Hof, Ratisbone, existem companhias fixas, de estudantes, com instalações próprias, mesmo suntuosas, até certo ponto, que os universitários alemães não pretendem fazer qualquer concorrência aos teatros profissionais, numa época em que muitos atores alemães se acham desempregados. Embora sejam mínimos os preços cobrados para que se obtenha um maior público, o teatro universitário faz questão de permanecer no terreno idealista, artístico e desinteressado. Em Berlim, por exemplo, onde os estudantes recebem uma pequena subvenção do Estado, para as despesas de encenação, as entradas são gratuitas.

É preciso especificar, também, que todavia, os estudantes alemães não recorrem a profissionais para dirigir os seus espetáculos, cientes de que, nesse caso, a representação não traduziria as possibilidades reais dos estudantes. Realmente, é fácil conseguir renome quando um hábil profissional se encarrega de ensaiar os estudantes durante meses para encenar um espetáculo. Os estudantes da Alemanha preferem ver reveladas as qualidades também a peça também revelação de um grande diretor. Todavia, não prescindem de um consultor técnico que proporciona aulas de cenarização, práticas e teóricas, aos universitários que pretendem dirigir.

Outro problema muito examinado é o do repertório. Fazem questão de não representar as mesmas peças levadas em cena, em geral, pelo teatro profissional. Então estabeleceram duas divisas: restauração e experiência. Isso significa restaurar as peças do espírito, tempo e espaço em que foram escritas, em sua versão original integral, com todos os dispositivos da época (parte didática) ou então experimentar, procurando peças que não convém com o teatro profissional, utilizando debutantes, artistas inexperientes, diretores de primeira viagem, tendo conseguido surpreendentes resultados.

Quero dar aqui uma pequena idéia do repertório dos teatros universitários da Alemanha, enumerando algumas peças representadas nos últimos tempos pelos estudantes, nas duas modalidades acima referidas. No repertório da recuperação, a Universidade de Berlim encenou “Conto de Natal de Hessois” (século XVI) e “O gato de botas” (também século XVI), de Ludwig Tieck. Na base experimental, foram levadas, por vários grupos, as seguintes peças: “A volta do filho pródigo”, de Gide; “Cântico dos cânticos”, de Giraudoux; “Orfeu e Eurídice”, de Kokoschka, foi representada em Frankfurt. Muitas outras peças de autores de vanguarda foram encenadas, principalmente em Berlim, como “O guarda dos túmulos” de Kafka, e “Circo queima”. Todas peças de vanguarda, que não figuram de maneira alguma no repertório dos teatros profissionais. Atualmente os estudantes pretendem incluir em suas atividades o teatro de revista, sob bases novas. Mais experiências.