Palcos e Atores
Jornal A Tribuna, 26 de março de 1957
Muitas e muitas notícias nos tem chegado de Portugal contando e recontando o êxito obtido por Maria Della Costa e toda a sua gente no “Teatro Popular de Arte”, o prestígio conseguido por esse conjunto na terra de Camões para onde seguiu a companhia sem maiores credenciais do que o cartão de visita de um teatro novo nascido há pouco no Brasil, com muita vontade de vencer.
Não obstante as controvérsias provocadas pela apresentação de “Moral em concordata”, de Abílio Ferreira de Almeida, sob a direção de Flamínio Bollini Cerni, peça que teve em muitos pontos a réplica da censura o que provocou vários estrilos do autor, muito justo aliás, a crítica lusitana em geral aplaudiu o espetáculo como autêntico em unidade, notando a forma interpretativa notável de todos os artistas. Maria Della Costa é hoje um nome pronunciado com todo respeito em Lisboa e isso sem ter encenado ainda “L’Alouette” que é a sua maior criação. Eunice Munoz, da nova geração do teatro português que interpretou Jeanne D’Arc de Anoulh, talvez gostasse de ver o seu grande sucesso que a elevou à categoria de uma das maiores estrelas, na interpretação de Maria Della Costa. Mas essa oportunidade não está prevista, não se sabe porque. A companhia brasileira está principalmente interessada em apresentar os seus esforços em originais brasileiros, com pequenos hiatos de peças de bilheteria certa, talvez tenha razão, embora eu não concorde com isso.
Voltando à peça de Abílio Pereira de Almeida, ou antes, ao próprio autor, houve um certo descontentamento nos meios artísticos portugueses a propósito de uma entrevista concedida pelo autor patrício ao jornal “Última Hora”, quando chegou ao Rio de Janeiro, procedente de Lisboa, onde sua peça fora “apoteoticamente acolhida pelo público e pela crítica”.
Embora admitindo que Abílio se queixasse das estripulias dos oficiais da censura, não negando a sua solidariedade nesse ponto, os meios artísticos portugueses magoaram-se com a posição tomada pelo autor brasileiro incluindo-os no atraso político do país, envolvendo-os numa frase desabonadora: “O teatro português está com trinta anos de atraso”.
Evidentemente, não é o teatro. E como muito bem disse Armindo Blanco, em sua resposta a Abílio, na revista “Padrão”, editada no Rio de Janeiro, um “debate sobre o assunto provocar-nos-ia dúvidas sobre quem será mais discutível: se o censor que empunha sua tesoura para retalhar uma obra de Arte, se o autor que aceita esses cortes e consente que sua obra chegue deformada ao público”.
Nós sabemos muito bem que aqui também no Brasil existe uma censura. Casos muito recentes, Jaime Costa que o diga para citar apenas um exemplo, inopinadamente surgem para cercear a liberdade de expressão dos autores. Lamentamos que isso suceda tanto aqui como em Portugal. Todavia, uma frase talvez impensada de Abílio não deveria por na mesma pipa os meios oficiais e artísticos de Lisboa, estes também em luta constante contra as restrições impostas. Diz Armindo Blanco em sua resposta a Abílio que não pode estar com trinta anos de atraso um teatro que nos últimos anos representou Lorca, Synge, Graham Greene, Pirandello, Tolstoi, Schiller, Tchekov, Casona, Priestley Ibsen, O’Neill, Kafka, Dostoievski, Anouilh, Arthur Miller, entre outros. E está certo.
Citando várias criações de artistas portugueses, Armindo Blanco conclui: “Gostaríamos de saber como reagiria Abílio Pereira de Almeida se nós vazássemos uma opinião sobre o teatro brasileiro em moldes idênticos. De fato, para se ter uma idéia do extraordinário progresso alcançado pelo Teatro no Brasil nos últimos anos, ninguém
pode, honestamente, limitar-se a ver as duas companhias escolhidas ao acaso e tirar logo conclusões definitivas”.
E Armindo Blanco termina fazendo um máximo elogio à companhia de Sandro e Maria, falando com a maior simpatia nos grupos de amadores que proliferam por todo o país constituindo um celeiro inesgotável que só por si define a vitalidade que presentemente empolga a arte dramática no Brasil.
Espera ainda que Abílio voltando a Portugal com mais tempo, possa corrigir a defeituosa concepção que de lá trouxe em relação aos seus honestos e probos comediantes, acentuando que mais do que nunca deve-se promover a vinda ao Brasil de companhias portuguesas, extra-bilheterias, como embaixadores de uma cultura secular e de pesquisadores incessantes, o que seria uma contribuição para a evolução do teatro em geral. Maria Della Costa está tratando disso.
– Ao entrar na rotativa este suplemento, informaram-me que Maria Della Costa representará “A cotovia” em Portugal ainda este mês.
P.G.