Por essa entrada da cidade
Jorna A Tribuna – 14 de novembro de 1954
A entrada já melhorou muito sobre o saneador asfalto – nova estrada sobre o velho pantanoso bananal – naquele ponto, diante de Alemoa, essa reminiscência da estrada de ferro quase esquecida de tanta gente – mas sobretudo ainda permanece o mesmo cheiro de enxofre e outras misturas. Era o cortume, era o matadouro, era o pântano: no ar os mesmos miasmas. O ônibus pisa nesse trecho em disparada; à esquerda fica Santa Maria, porta dos fundos da “célula mater”, fundos de quintal mesmo, não obstante o casario nascente, os negócios imobiliários torrando tudo, a inconsciência da administração tolerando tudo, em lugar de prevenir para mais tarde, para o futuro congestionador que se apresenta diante de nós… Logo, Santa Maria ficou para trás, logo é o Saboó, o cemitério, escola do lado, escola de cima. Que briqueabraque danado.
Conforme o estado de espírito e a disponibilidade do cidadão em trânsito, o morro por detrás é ver uma pintura ingênua; outras vezes, quando a paisagem é noturna, parece presépio iluminado ou um grande navio parado; mas no duro, no duro mesmo, sem véu de fantasia por cima, e a dolorosa miséria dos favelados, atrás de madeiras pintadas, entre escadas, varandas, janelas, canto do rádio, “lata d’água na cabeça, lá vai Maria!”
Depois é a pedra, o calombo que vem até o meio fio, a rua São Leopoldo, já agora em frangalhos.
O morro à nossa direita continua com a paisagem colcha de retalhos da favela.
Desaguando na bela praça de outrora, aí está a cadeia. Essa coisa vasta, imunda, pesada, aviltante – “o pior cárcere da América do Sul”, dizia com seus olhos límpidos meu general Miguel Costa… O qual se esqueceu que era preciso descer a picareta naquele monte de paredes cancerosas e de grades degradantes, quando foi secretário da Segurança. Outra Revolução? Não será possível. Não aproveitaram 1930 para varrer essa bastilha do chão que ela infama. Em São Paulo fomos ao Cambuci e pusemos abaixo no dia 25 de outubro a célebre Cadeia do Cambuci. Mas a de Santos é pior. E o povo não a derrubou.
Chega de falar em mancha grande na paisagem.
A entrada de Santos é isto: do mangue mal cheiroso, do cemitério misturado com a escola, da favela – oh! quantos dramas nas dobras dessa trapeira – até esta praça dos Andradas que carecia duma limpeza eliminando-se a cadeia e o grande ancoradouro dos “squatters” que fica ali, onde foi o Hospital… Esta, a entrada de Santos.
“Requeiro, portanto, ao exmo. Sr. Dr. Feliciano que mande proceder a estudos para a organização paisagística desse trecho que não pode e não deve continuar assim. Requeiro que sejam ouvidos técnicos em paisagística urbana para se tratar urgentemente de dar uma entrada digna e clara a esta cidade de tão importante e assinalável futuro. Que pelo o menos se estude o que deve ser feito, da ponta da Vila Anchieta na Alemoa até aqui, até a este ponto em que baixamos a cabeça e passamos por debaixo do morro de pedra, portal da avenida Ana Costa, para a praia, para as praias. E por ser necessário muito que haja um esforço nesse sentido da adequação dessa paisagem à entrada da cidade, E. R. M.”!
Pt