Orientação em leitura
Jornal A Tribuna, 14 de abril de 1957
Decorrência natural do que escrevemos em nosso último comentário de abertura dessa seção, parece chegado o momento de nos preocuparmos com orientação em literatura, o que não poderá ser objeto de uma simples tomada de contato, como o ensejam estas conversações semanais.
Se recomendamos, como o fizemos, que se mantenha o hábito da leitura, deveríamos partir de uma preliminar, ou seja, a formação desse hábito, e, mais profundamente, em que ele consiste para ser mesmo um bom hábito, inteligente e eficiente, apto a contribuir para “educar” literariamente, estabelecendo no leitor juízos avaliadores daquilo que está lendo ou daquilo que queira ler. Não vamos remeter ninguém a um curso de literatura. Através de cursos pode-se obter muito e pode-se também esgotar o gosto pela leitura, pois não se trata no caso de especializar, mas de “educar” o gosto pela leitura, o que é diferente. Os cursos comumente, servem a especializar: é claro que, quando se trata de especializar, para a formação de professores ou de outros profissionais ligados à literatura, os cursos são indispensáveis. No caso, pensamos no grande público que precisa fruir o gosto pela leitura, adquirindo, no confronto do que esta coluna insinua e sugere, elementos para se autocapacitar, para se julgar a si mesmo ou debater com o articulista (por que não?), as suas próprias conclusões e restrições, selecionando, então, o julgamento. Trata-se, porém, sempre, desta capacidade de atribuir a tais ou quais volumes lidos um “valor” determinado, em relação ao tempo em que a obra foi produzida e publicada ou ao que ela representa em referência a este tempo e, ainda na soma de seus defeitos e qualidades de permanência, no que venha a contribuir para polir a compreensão da literatura como tal.
Adotamos o método dos índices, mas não nos estenderemos além de um décimo das “cem obras essenciais” com que os especialistas norte-americanos querem construir a biblioteca internacional do homem medianamente informado em leituras… Isto porque queremos deixar bem claro o nosso intuito didático inicial: literatura brasileira primeiro. Discriminadamente, literatura entre ficção e poesia. Será preciso atentar também para a flexibilidade das definições com que vamos acompanhar as indicações de títulos e autores; não serão definições rígidas e definitivas. Toda dúvida a propósito estimaríamos que nos fosse trazida em consulta por carta, com perguntas o mais possível precisas.
Eis onze livros, onze autores, que para formação de uma disciplina em literatura recomendamos, para estudo, comparação e julgamento crítico (consideramos, aliás, que tais já podem ter sido lidos, mas esta indicação metódica torna necessária a sua relação e o atuante pensamento de cada um para situar-se perante elas e seus autores):
“Primaveras” ou “Obras completas”, de Casimiro de Abreu, poesia, período do Romantismo.
“O Guarani”, de José de Alencar, romance, período do Indianismo.
“Memórias de um sargento de milícias”, de José Antônio de Almeida, transição para o naturalismo.
“Obras completas”, de Cruz e Sousa, poesia, período simbolista.
“Casa de pensão”, de Aluísio Azevedo, romance, fase naturalista.
“O Ateneu”, romance de Raul Pompéia, transição de Assis, adoção de posição humorista na literatura brasileira.
“Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, adoção da posição humorista na literatura brasileira.
“Canaan”, de Graça Aranha, o romance panteísta do fim do século dezenove.
“Recordações do escrivão Isaías Caminha”, romance de Lima Barreto, a reação ao convencionalismo formal na literatura brasileira.
“Poemas e canções”, de Vicente de Carvalho, poesia que sela o fim da fase parnasiana no Brasil.
“Urupês”, de Monteiro Lobato, apelo à realidade nacional antes do aparecimento da literatura moderna no Brasil.
Estes livros e outros contemporâneos que estejam “no seu nível” são legítimos expoentes de um tempo e de uma qualidade literária. O leitor poderá, em torno de tais obras e tais autores (sempre a partir da cronologia da obra aqui indicada, pois os livros anteriores dos mesmos autores podem desvirtuar a disciplina), chegar por si mesmo a conclusões sobre suas leituras.
Com o tempo e no interesse de cada leitor, no método de índices que aqui iniciamos, voltaremos a esta lista, pois é de supor que muitos não tenham idéias acerca do que seja romantismo, simbolismo, indianismo, parnasianismo etc. A aquisição de uma lista como esta comporta maiores esclarecimentos em benefício da leitura, o que veremos em outra conversa de domingo, se os interessados considerarem útil a continuação desta tentativa de orientação em leitura.
MARA LOBO